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Projeto de pesquisa 

 
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Música antiga HOJE: abordagens multidisciplinares
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RESUMO:

 

Neste projeto de pesquisa, abordamos o repertório de música antiga (especialmente dos séculos XVI ao XVIII) em seus diversos desdobramentos multidisciplinares. Buscamos criar um diálogo entre diversos métodos, já batizados por estudiosos norte-americanos (KERMANN, TOMLINSON, McCLARY) como “nova musicologia”. Nesta abordagem, são utilizados elementos da musicologia sistemática e histórica, dos estudos literários e diversas outras disciplinas que possam contribuir para a compreensão mais efetiva do repertório. Buscamos assim investigar, no presente, novas evidências para a compreensão da música do passado.

Aquilo que conhecemos por movimento de música antiga, ou seja, a música de um passado mais ou menos remoto, fez com que convivessem lado a lado músicos e musicólogos, muitas vezes apresentando os dois papéis num mesmo indivíduo. Isto se deve à necessidade inerente do músico que interpreta repertórios antigos de se deparar constantemente com fontes primárias que o obrigam a metodologias críticas para fundamentar e enriquecer sua interpretação musical. Portanto, a execução e reflexão teórica sobre a Música Antiga exige um treinamento musicológico direcionado a problemas específicos da área, que este projeto tenta cobrir. Deste modo, os objetivos são múltiplos para que diversos pesquisadores possam participar desta pesquisa “guarda-chuva”. Destacamos: abordagem prática dos repertórios por meio dos princípios da HIP (Performance historicamente orientada); a compreensão de significados das obras visando sua interpretação eficaz por meio dos estudos de retórica, estudos de gênero e libretologia (estudo dos libretos e das convenções do repertório dramático-musical); pesquisa de acervos e prática de edição crítica. A música antiga no Brasil tem sido foco crescente de pesquisa nos mais diversos centros, e o LAMUSA (Laboratório de Música Antiga da UFPR) tem atraído muitos músicos e pesquisadores de renome, e sua produção tem atravessado fronteiras. Este projeto amplo justifica-se pela necessidade crescente de abraçar novos performers e pesquisadores, dando continuidade às atividades do laboratório.

V. Palavras-chave

Música antiga; Performance historicamente orientada; libretologia; retórica e música; edição crítica

 

INTRODUÇÃO DO TEMA E JUSTIFICATIVAS:

 

  1. Para a interpretação do repertório, a discussão está sempre viva e o diálogo entre pesquisadores e músicos é constante. Interpretações do repertório de Música Antiga que antes se chamavam “autênticas” hoje são concebidas como “HIP,” ou seja, Historically Informed Performance, termo já adotado em português como “Práticas Interpretativas Historicamente Informadas”. O musicólogo norte-americano Richard Taruskin afirmou que não há maneiras de sabermos como a música de Johann Sebastian Bach soou em seu tempo, e esta foi a premissa inicial do movimento em busca de “autenticidade” na execução do repertório.  Harnoncourt, um músico e teórico dos anos 70 sobre o movimento, lutava por desvincular o repertório antigo do “contágio romântico” e trazer frescor interpretativo a essas obras, como se “nunca tivessem sido escutadas anteriormente, nem tampouco deformadas.” (HARNONCOURT, 1968). Hoje, devemos olhar para esta música “velha” como se fosse, nas palavras de Taruskin, jovem, e devemos habitar um passado imaginário e lutar por eliminar as referências do presente. Estas premissas provocam, nos estudiosos, questões complexas que não se esgotam nunca em função da singularidade de cada performace. A música, em sua característica evanescente, escapa a que se fixe no tempo e espaço, recriando-se a cada execução – nisto reside sua essência como obra de arte. A pesquisa abre sempre novas perspectivas para que as práticas interpretativas da música antiga se renovem sempre e mantenham seu vigor.

 

  1. Para ganhar uma compreensão maior da música antiga, e especialmente a música Renascentista e barroca, há algum tempo, nos meios acadêmicos, percebeu-se a importância de readquirir conhecimentos perdidos por conta da hegemonia da visão romântica, que até hoje se perpetua em diversas escolas, conservatórios e departamentos de música mundo afora. O dito idioma barroco pode ser mais bem compreendido ao estudarmos sua gramática e sintaxe, ou seja, seus preceitos e princípios composicionais singulares poderão ser decifrados por meio de investigações sobre as relações entre a música e a Retórica. Estudos de Retórica e Música têm proliferado, mas estão longe de se esgotar. Estudos de caso, como compositores pouco estudados do período, abordados sob a ótica da Retórica, continuam sendo de importância fundamental para o desenvolvimento da área.

 

  1. Muito trabalho de cunho interdisciplinar está por ser feito na área da Música Antiga. Um vasto repertório vocal dos séculos XVII e XVIII ainda pouco trabalhado suscita questões importantes para o debate. No âmbito dos estudos de gênero, encontram-se muitas possibilidades: o levantamento de compositoras mulheres esquecidas pelo cânone central e uma reflexão sobre seu papel, as razões pelas quais a história deixou-as à margem são possíveis investigações e ainda necessárias. As personagens femininas que circulam nas óperas italianas e francesas do século XVII e XVIII são objetos riquíssimos para os estudos de gênero. A personagem de Dido, por exemplo, é relida incansavelmente desde sua criação no século V d.C. por Virgílio. Na ópera, torna-se uma das personagens favoritas, e em Veneza é recriada pelo famoso libretista Gianfrancesco Busenello e pelo compositor Francesco Cavalli na iconoclasta versão de 1641, La Didone. A leitura de Busenello e Cavalli do episódio do encontro de Dido e Enéias revela grandes ambigüidades em relação à personagem da deslumbrante Rainha de Cartago. A partir de uma longa tradição de recepção de Virgílio em Veneza, a personagem se constrói no vértice de múltiplas interpretações: edições moralizantes, traduções para o vernáculo, comentários, catálogos de educação feminina, versões teatrais, além de exercícios em classes de retórica em que se reproduzia o discurso de Dido. Uma Dido erótica, fabricada principalmente pela rica e imaginativa Heróides de Ovídio, certamente alimentou o imaginário veneziano – tão ocupado com questões relativas à sexualidade humana, muitas vezes beirando a pornografia, como nas famosas falas da prostituta Nanna de Pietro Aretino. A Dido teatral do século XVII na Itália revela bem as tensões entre as várias representações da personagem até então. Para os venezianos, as ligações mitológicas entre Tróia e Veneza são evidentes, e Enéias deve sempre abandonar Dido para seguir seu destino de herói épico, fundador de Roma, a república ancestral modelar do imaginário veneziano. O herói troiano representava para a Sereníssima República a gênese de sua mitologia, Veneza se sacralizava a cada reafirmação de sua origem heróica, e todas as possíveis equivalências entre as glórias das duas repúblicas eram incessantemente acentuadas. Como esta primeira Didone do século XVII é construída para uma platéia ao mesmo tempo fascinada pela sexualidade feminina e simultaneamente misógina é assunto para intenso debate.

Compreender a maneira como personagens femininas são construídas nas óperas, delineadas dentro de um contexto sócio-cultural, enriquece nossa leitura e interpretação de tais obras, além de compreendermos melhor o lugar da mulher em diferentes momentos históricos.

Além de Dido, Ariadne é outra personagem deslumbrante, objeto de fascínio para intérpretes e compositores. Ariadne nasce na ópera em 1608, pelas mãos do “divino” Claudio Monteverdi, que a ela entrega o mais longo discurso em primeira pessoa nunca antes concedido a uma mulher. Ariadne se inscreve como a primeira personagem trágica em ópera, inaugurando uma longa tradição que se seguirá por toda a história do gênero musical.  Infelizmente, da tragédia musical, não sobrou senão a partitura do lamento e o libreto. O Lamento d’Arianna passa então a ser uma obra de referência para tudo o que foi produzido depois, tanto no universo musical quanto literário. O texto de Otavio Rinuccini, por exemplo, serviu de base para o idílio Arianna de GiamBattista Marino. A ópera de Monteverdi e seu lamento permaneceram populares até a metade do século XVII: Severo Bonini, em seu Discorsi e regole sopra la musica (1640) relata que o lamento de Arianna “foi tão apreciado que não havia lar algum, onde houvesse teorbas ou cravos, que não possuísse uma cópia do lamento.” (FABBRI, 1985. p. 98). Reencenada em 1643, já no contexto da ópera pública de Veneza, e não mais em seu ambiente original da corte, esta seria a última aparição do século XVII na Itália da personagem que se manteve calada até sua reaparição na corte de Luis XIV. A representação das duas personagens, em contextos bastante distintos, trará insights sobre a visão italiana e francesa da famosa personagem. A primeira Ariana é inicialmente retratada por um compositor que representa as mulheres com profundidade psicológica e generosidade pouco habitual para a época. Mais de meio século depois, a Ariadne francesa deverá tomar outros rumos com o estabelecimento da ópera na corte francesa, habituada há mais de um século com a presença da mulher culta em seu meio e a debates sobre a questão feminina (La querelle des femmes).

 

  1. A ópera é fonte de constante estudo. Mas aquela que surge no século XVII na Itália e logo em seguida na França, ainda é parte de um acervo riquíssimo que foi pouquíssimo estudado. Nos acervos da Biblioteca do Conservatório Santa Cecília, encontrei uma cópia de um intermedi inédito, publicado em 1615 e esquecido desde então. Trata-se de Orfeo dolente de Domenico Belli, para solistas, coro e Baixo contínuo; esta obra foi apresentada em espetáculo cênico em 2014 em Curitiba. Este é um exemplo de atividades multidisciplinares do LAMUSA, em que o resgate de obras raras são levadas até o palco, atingindo público externo à universidade (assim se cumpre o ideal dos 3 pilares da universidade: pesquisa, ensino e extensão – funções sempre buscadas pelo Laboratório).

A ópera francesa Ariana et Bacchus foi composta por ninguém menos que o renomado compositor francês Marin Marais, conhecido nos dias de hoje por sua vasta produção de música composta para viola da gamba, instrumento que o tornara famoso. Surpreendentemente, a ópera de Marais, depois de uma estréia retumbante em Paris em 1672, caiu no esquecimento e se encontra hoje nos arquivos da BNF (Bibliotèque Nacional de France). Trata-se de uma obra de primeira grandeza, de um compositor ativo na corte de Luís XIV – portanto, uma obra que, graças aos esforços da coordenadora deste laboratório, voltou a fazer parte do repertório de ópera barroca atual, com re-estreia em Curitiba (novembro de 2016), Chicago (outubro de 2017) e Paris (abril de 2020). A descoberta de tal material, e o trabalho de pesquisa que resultou na recuperação e edição do mesmo (no prelo, França 2020), coloca-nos em importante diálogo com centros internacionais de musicologia, como por exemplo, o Centre de Musique baroque de Versailles, responsável pela recuperação e publicação de um respeitável acervo de música barroca da corte de Luís XIV. Deste modo, o fomento à edição crítica é um papel importante do LAMUSA, uma vez que repertórios de enorme importância ainda permanecem esquecidos nos acervos internacionais.

  1. No processo de institucionalização da ópera, os libretistas e compositores serviram-se de um corpo de convenções retiradas da tradição do teatro erudito e popular – commedia dell’arte – que aos poucos foram sendo absorvidas pelo novo gênero. Com a intensa produção veneziana do teatro público e a velocidade de novos títulos avidamente esperados pelos espectadores, os autores contavam com clichês, fórmulas ou convenções pré-estabelecidas que eram reutilizados com múltiplas variantes. A partir de 1640, apesar dos temas apresentarem uma variação que cobria enredos sobre a história mesclada à ficção, romances ou mitologia, a trama central tratava de dois pares de amantes, cercados por personagens cômicas que complicavam o amor dos casais, que após uma separação passageira, voltavam a encontrar-se no final.  A tipologia de cenas convencionais gira em torno dos lamentos, a cena de loucura, de fantasmas ou do mundo subterrâneo, a cena do sono, dentre outras. Uma vez que a produção operística é vasta, e muito do material permanece inédito, uma das formas de acesso para compreendê-la se faz por esta via, ou seja, compreender, caso a caso, como estas convenções se repetem ou sofrem variações.

 

IV.1. OBJETIVOS:         

 

O objetivo geral para esta proposta é investigar o repertório de música antiga (especialmente dos séculos XVI ao XVIII) em seus diversos desdobramentos multidisciplinares. Diversas questões teóricas devem ser abordadas pelos intérpretes e pesquisadores deste repertório:

  1. Práticas de interpretação historicamente orientada: Tratar dos temas ainda em debate sobre a pesquisa histórica, permitindo escolhas conscientes e embasadas em relação ao estilo de interpretação do repertório;

  2. No começo do século XX, redescobriu-se a relação entre retórica e Música Antiga, e seus conceitos tornaram-se uma base teórica importante para a compreensão mais profunda deste repertório. Em contrapartida à noção romântica hegemônica de “expressão” que favorece a visão da música absoluta, a compreensão da disciplina da retórica abre uma via de acesso à compreensão do sentido em música, principalmente no período Barroco. Apesar do repertório vocal apresentar possibilidades de aplicação da Retórica mais óbvias, a abordagem retórica de repertórios instrumentais cria novos desafios para a pesquisa na área. Estudos de caso com a ferramenta da Retórica trazem novas evidências da aplicação efetiva da antiga disciplina no estudo da música.

  3. Os estudos de gênero e sexualidade abriram uma ampla frente de pesquisa na área de Música Antiga. Musicólogas como Susan McClary, Suzanne Cusick, Raphaëlle Legrand, Wendy Heller, dentre outras, perceberam a importância de abordar este repertório com questionamentos comuns às duas áreas. Uma abordagem consciente dos paradigmas válidos em seu momento histórico nunca deverá se perder de vista, de modo que o pesquisador atual deverá respeitar a integridade e auto-suficiência das linguagens em sua época.

  4. Pesquisa de acervo. A descoberta e catalogação de fontes musicais antigas, a preparação de edições críticas e a investigação de documentos ainda esquecidos nos arquivos, tanto nacionais como internacionais fazem parte do escopo desta pesquisa. Toda esta busca trouxe e ainda deve trazer importantes informações sobre compositores, intérpretes, patronos, e instituições que favoreceram a produção musical do passado. A partir da pesquisa documental, poderá se construir as bases críticas de uma investigação mais profunda sobre o repertório.

  5. Convenções da ópera barroca. O dramma per musica, fabula mitologiche, tragicommedia pastorale, tragedia in musica foram alguns dos diversos títulos utilizados para descrever a ópera, que surgiu no início do século XVII. Esta enfrentou sempre um desconforto teórico que pudesse localizá-la como gênero dentro da tradição poética que remonta a Aristóteles. Aos poucos seu status artístico ganha autenticidade e diversas convenções começam a se estabelecer. Em meados do século XVII, a ópera é recebida por um público pagante que vai ao teatro assisti-la (Veneza). Com influência direta da commedia dell’arte, máscaras tradicionais deste teatro popular são absorvidas pela ópera, e certas personagens e cenas começam a se fixar, como as cenas de loucura, os lamentos, etc. O repertório está longe de ver-se esgotado pelos estudos musicológicos, e muita discussão ainda está por ser feita sobre as questões que envolvem “gênero” (literário) e as convenções da ópera barroca. Uma das vertentes mais fascinantes das convenções que se fixam é cena da loucura: a representação da loucura na ópera veneziana é um campo ainda rico para exploração, em contraponto à história da loucura per se, vista a partir de relatos médicos da época, registros de casos, história das instituições.

 

V. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA:

 

  1. Os estudos sobre performance em Música Antiga têm sido alvo de profundas discussões. Richard Taruskin incitou uma campanha crítica sobre a questão de autenticidade, colocando em cheque o historicismo na HIP. Seu livro “Text and Act” contempla uma visão cultural ampla, defendendo que na realidade o movimento não reflete tradições antigas de performance, mas é, outrossim, um estilo de performance moderno que se criou nos dias atuais. As questões sobre “verossimilhança” em performace de música antiga são também discutidas por Bruce Haynes, que em seu provocativo texto, The End of Early Music, coloca questões sobre o quanto somos ainda “românticos,” o uso de instrumentos históricos e seu reflexo na “autenticidade,” improvisação e ornamentação histórica, dentre muitos outros assuntos que se encontram em acirrado debate na área.

  2. Em um capítulo do livro Music and Ideas, o estudioso Claude Palisca deixa-nos um valioso legado introdutório à questão da Retórica em música. O autor comenta os princípios de retórica clássica e sua influência para a aplicação em música. Palisca desenvolve o ensaio apresentando os principais teóricos que, no século XVI e XVII utilizaram-se da disciplina para transformar a música em uma arte semelhante à oratória, ou seja, uma arte que “supere a simples combinação de puras consonâncias, [e] ofereça aos sentidos uma obra composta por uma mistura de perfeitas e imperfeitas consonâncias e dissonâncias, [o que] não poderá deixar de atingir nossos corações” (BURMEISTER, 1599; PALISCA, 2006). No excelente guia de Judy Tarling, The Weapons of Rethoric, a autora usa obras da retórica clássica – Cícero e Quintilhano – como ponto de partida para suas reflexões e traça a presença de suas idéias na sala de aula do período Tudor na Inglaterra e nos livros populares sobre eloqüência da Renascença ao século XVIII. Concentrando-se em técnicas de performance, e a partir das fontes citadas, a autora demonstra como um intérprete pode tornar sua execução capaz de deliciar e comover o ouvinte, assim como os oradores clássicos o faziam.

  3. Algumas musicólogas, principalmente aquelas advindas da Nova musicologia norte-americana, têm se destacado na reflexão sobre gênero e a música barroca. Susan McClary marcou o início de uma “musicologia feminista,” tratando de temas que abarcavam autores tão distantes como Monteverdi e Madona. Desde seu trabalho inaugural, o campo tornou-se prolífico: Suzanne Cusick produziu uma vasta bibliografia sobre a compositora florentina Francesca Caccini, Wendy Heller escreveu sobre vozes femininas na ópera veneziana, dentre muitas outras pesquisadoras. Esta última inaugura uma “nova fase da musicologia, entrelaçando métodos interpretativos dos últimos dez anos com a pesquisa minuciosa característica da boa e antiga musicologia histórica.” Ou seja, Heller superou a primeira fase de entusiasmo pelas questões de gênero aplicadas à música barroca e percebeu o erro metodológico que se fez ao projetar no passado questões contemporâneas que violentavam a integridade histórica do período e da sua produção musical. Ainda com o foco em questões de gênero e sexualidade, Heller soube mergulhar nas fontes clássicas e na documentação de época sem abusar de seus sentidos com interpretações anacrônicas e descontextualizadas.

  4. A musicologia francesa começou a se debruçar sobre a ópera na corte de Luís XIV bastante recentemente. O Centre de Musique baroque de Versailles tem produzido incansavelmente edições críticas de partituras de óperas do período, assim como diversos livros ou coletâneas de ensaios sobre os compositores ou personagens ativos no período do Rei Sol. Depois da morte de Jean-Baptiste Lully – que conseguiu manter calados todos seus concorrentes até sua morte –– novos compositores que serviram ao Rei puderam atuar na produção de óperas para a corte e começaram a ser redescobertos por este produtivo time de musicólogos. No entanto, o acervo é gigantesco, e como descrevi acima, existem obras que permanecem inéditas à espera que novos pesquisadores tragam-nas novamente à luz. Com um modelo claro de pesquisa e edição das óperas que têm sido feitos por este importante centro de pesquisa de Versailles, abordaremos o material coletado de maneira semelhante.

  5. Ellen Rosand trouxe a público um volumoso e abrangente estudo da ópera veneziana do século XVII: Opera in Seventeenth-Century venice: the creation of a genre (ROSAND, 1991). Um de seus capítulos, intitulado The Conventions of Dramma per musica, ela enumera justamente as cenas que se institucionalizaram como convenções da ópera. A autora descreve diversas cenas, acompanhadas de exemplos musicais, a partir das quais outros estudiosos poderão embasar sua reflexão sobre o surgimento, ou recorrência destas ou novas convenções. Para uma teorização sobre a questão da convenção, Susan McClary nos oferece um audacioso livro que traz novas visões sobre o assunto: Conventional Wisdom (MCCLARY, 2000). Nesta obra, a musicóloga mostra-nos que as convenções são ferramentas para trabalharmos dentro da ótica dos estudos culturais, cruzando as fronteiras do “puramente musical” e ampliando o escopo teórico para a história e sociedade.

 

VI. MATERIAL E MÉTODOS:

  1. Estudo de tratados históricos e sua aplicação à performance nos dias de hoje; estudo de instrumentos históricos; comparação de gravações de intérpretes modernos e aqueles que se filiam ao movimento HIP;

  2. Estudos de tratados clássicos sobre Retórica; estudos dos tratados renascentistas e Barrocos sobre a aplicação da Retórica na Música; aplicação do conhecimento em casos específicos, como obras vocais e instrumentais do período;

  3. Metodologias da musicologia histórica tradicional, como a pesquisa de acervo, combinada aos estudos interdisciplinares, que agregam os estudos culturais, os estudos clássicos (literários) e os estudos de sexualidade e gênero.

  4. O trabalho de acervo requer a coleta do material, atividade já em prática pelos membros do LAMUSA em acervos como da BNF (Bibliothèque National de France) e ou na Biblioteca Marciana (Veneza) e Biblioteca do Conservatório Santa Cecília (Roma), entre outros. O material inédito é fotografado, quando ainda não foi digitalizado pela própria biblioteca. Este material deve ser organizado, catalogado e transcrito, antes de ser abordado de forma crítica. O material abordado são óperas e outros gêneros musicais do passado que depois de catalogado, sofre minucioso estudo com as metodologias utilizadas pela Nova Musicologia que abre o campo a abordagens interdisciplinares.

 

 

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